
Li a notícia na Folha de São Paulo e fiquei com meu brio machucado. Caetano Veloso enviou um projeto pro Ministério da Cultura pra tentar aprovar, através da Lei Rouanet, o Tour Caetano Veloso – um projeto que prevê a realização do seu novo show “Zii e Zie” em 22 capitais pelo valor de R$ 2 milhões.
Num momento de lucidez, a comissão que analisa os projetos aspirantes ao benefício da lei negou o pedido com base num argumento bastante adequado: a receita de bilheteria torna desnecessária a utilização de incentivo fiscal. No entanto, é muito provável que essa decisão seja derrubada nos próximos dias pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, conterrâneo de Caetano.
Na mesma matéria, soube que no ano passado Maria Bethânia entrou com um projeto no valor de R$ 1,8 milhão para sua turnê. A comissão vetou, mas o ministro reviu a decisão e derrubou o veto.
Vejam bem: não estou aqui questionando a legitimidade do pedido, mas não posso aceitar calado que eles ganhem todo esse dinheiro através de incentivos fiscais e ainda cobrem a fortuna que cobram pelas apresentações. Porque um ingresso pro show do Caetano ou da Bethânia não custa menos de cem reais nem pendurado no balcão.
Podem achar que é dor-de-cotovelo. Guardadas as devidas proporções, o grupo de arte Alina Lamparina já enviou três projetos para o Funcultural que seria o equivalente aqui no âmbito estadual. Nunca recebeu sequer uma resposta. E nunca deixou de produzir diante desta falta de atenção. A diferença é que o grupo acaba tendo que repassar todo o custo da produção para o preço do ingresso, e ainda assim faz malabarismos pra trabalhar com preços populares.
E estava lendo seu comentário sobre a Lei Rouanet e o Caetano Veloso. Lembrei de um artigo que o Gilberto Dimenstein escreveu na folha na mesma semana, você leu? [Copiei abaixo boa parte!]
ResponderExcluirQuando vc diz que o grupo Alina Lamparina não conseguiu verba estadual, senti certa injustiça!
Afinal, o grupo de vocês faz muito por Brusque, incrementa o município de cultura, bom gosto e boa arte! Acho que se encaixa com o que o Dimenstein diz ser necessário para receber apoio da lei, seja estadual ou nacional. É assim que infelizmente funciona a burocracia brasileira, quem mais merece nem sempre recebe! [Não que o Caetano não mereça, mas deveria fazer mais para merecer MESMO]
No próximo final de semana é minha vez de prestigiar o Caetano e espero sentir "valer a pena" a fortuna do ingresso.
O dinheiro de Caetano Veloso (GILBERTO DIMENSTEIN Folha de S. Paulo, 14 de junho de 2009)
ResponderExcluirPARA ASSISTIR NESTE final de semana ao show "Zii e Zie", de Caetano Veloso, paguei R$ 290 por dois ingressos -as duas horas de espetáculo terão custado mais da metade um salário mínimo ganho por muitos trabalhadores depois de um mês de trabalho. Apesar de as cadeiras, espremidas em torno de uma mesa, ficarem longe do palco e não apreciar gente bebendo ou comendo enquanto ouço música, não reclamo: o show vale o preço. Até me dispus a pagar um pouco mais se encontrasse um lugar melhor. Não tinha.
O que me incomodou foi saber que Caetano Veloso tem a chance de receber dinheiro da Lei Rouanet (R$ 2 milhões) para a turnê nacional desse espetáculo, com a interferência direta do ministro da Cultura, Juca Ferreira. Aparentemente, não há nenhuma ilegalidade no patrocínio -aliás, concedido, mais uma vez com a intervenção do ministro, a Maria Bethânia.
Nem Caetano nem Maria Bethânia estão fazendo nada de errado; estão seguindo o que a lei permite. Mas esse tipo de fato acaba estimulando o debate, cada vez mais efervescente, sobre a lei de incentivos fiscais para a cultura.
É óbvio que Caetano e Maria Bethânia não precisam de dinheiro público para fazer seus shows -assim como também não fez sentido, por exemplo, a verba incentivada para o Cirque de Soleil, cujo ingresso pode chegar até a R$ 490 e a pipoca (e aqui não vai nenhum exagero) custa mais do que o "PF" de um operário.
Supostamente, a reforma da lei de incentivo à cultura veio para corrigir essas e outras distorções e desperdícios. Isso não significa que se deva confiar na capacidade gerencial das burocracias públicas.
Se todo o dinheiro arrecadado até agora com o incentivo fiscal se transformasse em imposto e ficasse nas mãos só do governo, acabaria, em boa parte, sustentando salários de funcionários -isso se não ficasse preso por alguma restrição orçamentária ou fosse desviado para protegidos políticos. Desapareceram os bilhões de um fundo (Fust) para informatizar as escolas.
Se, na cidade de São Paulo, ir a museus virou programa de pobre, como mostra pesquisa do Datafolha, é por causa da lei de incentivos fiscais. Não haveria, por exemplo, um Museu da Língua Portuguesa -nem concertos de música erudita a preço popular.
A melhor contrapartida a esse do benefício fiscal é quando ele se converte em educação pública. É sabido que estímulos culturais como a dança, a música, o teatro, as artes plásticas e o cinema são uma extraordinária isca para o aprendizado -e uma alavanca para desenvolver na criança e no jovem a capacidade de interpretar a realidade. Não deveria, aliás, existir nenhuma separação entre educação e cultura. Não existe pessoa educada sem repertório cultural -e não existe repertório cultural sem educação.
Por isso, foi um avanço o acerto entre o governo federal e representantes de empresários para maior aproximação entre as escolas públicas e o chamado "Sistema S", como Sesi ou Sesc. Se está sendo implementado, é algo a ser observado -a minha impressão é de que, por enquanto, a ideia está mais no papel.
Na semana passada, relatório do Unicef mostrou, mais uma vez, a debandada de jovens do ensino médio. Se as escolas tivessem mais conexões culturais, seria menos difícil conter essa evasão.
Os incentivos seriam muito bem usados se a contrapartida se traduzisse não apenas em ingressos gratuitos mas também em programas para o envolvimento das escolas, com direito à formação de professor. Se o Caetano Veloso e todas as celebridades artísticas quiserem cobrar até R$ 500 por uma cadeira num de seus shows, sem problema.
Mas se quiser ter apoio da Lei Rouanet, ele que apresente um plano de shows públicos ou aulas-espetáculo para estudantes de música. As escolas poderiam transformar esses espetáculos em momentos inesquecíveis na vida dos jovens -e fontes de aprendizado.
Um pouco desse espírito transgressor aprendi a apreciar ouvindo Caetano Veloso. Pelo menos quando ele e tantos baianos se mostravam novos e caminhavam contra o vento sem lenço e sem documento.