
Normalmente, quando a gente vai chegando nas últimas folhas de um livro, é normal apressar o passo e querer terminar logo pra conhecer o desfecho da história.
Em Leite Derramado, eu tive uma sensação estranha e oposta. Quando me dei conta que estava no último capítulo, comecei a economizar parágrafos, a ler mais devagar com o mesmo receio que a gente tem de acordar de um sonho bom. Ao fim, tive aquela triste visão do fundo da lata, antes coberta de balas e doces.
Já não é mais segredo toda a minha reverência por Chico Buarque, e o que alimenta esse gosto antigo é que ele sempre consegue safistazer minhas grandes expectativas.
O livro conta em primeira pessoa a história de um homem centenário num leito de hospital. Oriundo de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido às enfermeiras e a quem aguentar ouvir, a história de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador da Primeira República até o tataraneto, garotão do Rio de Janeiro atual.
O Chico consegue uma coisa tão incrível que é manter a ordem de começo, meio e fim e ao mesmo tempo embaralhar a ordem cronológica das coisas e repetir as ideias como os velhos costumam fazer e até justificar isso no texto, como num trecho em que sublinhei:
“Se com a idade a gente dá pra repetir casos antigos, palavra por palavra, não é por cansaço da alma, é por esmero. É para si próprio que um velho repete sempre a mesma história, como se assim tirasse cópias dela, para a hipótese de a história se extraviar”.
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