segunda-feira, 27 de agosto de 2012

As Cidades de Chico


* O que eu vejo de mais interessante – e que me faz gostar ainda mais – na obra do Chico Buarque é a quantidade de enigmas que se escondem nas entrelinhas das suas canções. A riqueza da sua poesia é tão grande que levo anos para consumi-la.

* Digo isso porque acabo de desvendar a fonte de inspiração onde Chico foi beber para compor a canção Sonhos, Sonhos São – que faz parte do álbum As Cidades, lançado há quase quinze anos. Veja bem: quinze anos foi o tempo que eu precisei pra me dar conta que o título da música está no texto da peça A Vida É Sonho, do dramaturgo espanhol Calderón de la Barca.

Iracema e América

* Esse disco, aliás, é um tesouro que já esteve no balaio das Americanas por quaisquer dez reais – ainda há quem atire pérolas aos porcos. Iracema Voou, por exemplo, foi lançada nesse disco e eu me apaixonei pela música imediatamente, tanto que a incluí no repertório do musical Quadrilha.

* Só depois da milésima vez que cantei o verso “Iracema voou para a América” foi que percebi: Iracema é um anagrama da palavra América. Pra quem não lembra o que são anagramas, vou poupar o Google: embaralhe as letras e forme uma nova palavra.

Sonhos, Sonhos São

* A propósito da minha descoberta, vale um parêntese: tudo parece muito óbvio depois que alguém entrega a coisa mastigada, como a solução de uma equação de segundo grau. A graça, no entanto, é ficar ruminando até ver a luz se acender com a resposta certa.

* No caso  desta música a que me refiro – e é bem provável que pouquíssimos a tenham ouvido, já que nunca foi tema de novela nem tocou nas FMs, fica então restrita ao público que consome Chico na fonte – a solução da charada praticamente caiu no meu colo enquanto eu assistia o filme nacional Irma Vap [que também tirei do balaio das Americanas].

* Na primeira cena do filme, uma cena de funeral, Marieta Severo faz uma participação afetiva recitando alguns versos da peça A Vida É Sonho. “O que é a vida? Um frenesi.O que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção. E o maior bem é pequeno, porque toda a vida é um sonho. E sonhos, sonhos são”.

* Por ironia do destino, quem me deu a resposta foi Marieta, que durante uma vida foi esposa do compositor e inspirou a canção Beatriz, personagem da Divina Comédia, mas que lida em inglês tem a mesma sonoridade de “be actress”, ser atriz – ofício que Marieta cumpre como poucas neste país.

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