quarta-feira, 29 de agosto de 2012

360


* Quando o matemático Edward Lorenz teorizou sobre o “efeito borboleta” nos anos sessenta, não creio que ele pudesse imaginar os préstimos que estaria oferecendo ao cinema. Essa ideia de que o bater de asas de uma borboleta em Toquio pode provocar um furacão em Nova iorque vem inspirando uma excelente safra de filmes.

* O cineasta espanhol Alejandro Iñárritu [o sobrenome mais esquisito e impronunciável do cinema] é um dos maiores entusiastas do tema, com uma trilogia sobre o assunto que começou com Amores Brutos, seguiu com 21 Gramas e findou com o excelente Babel.

* Houve também um filme que faz bastante sucesso na época que se valeu da própria expressão Efeito Borboleta pra lhe servir de título, com o jovenzinho Ashton Kutcher, o que lhe rendeu projeção no métieur e, possivelmente, a atenção de Demi Moore, com quem se casou no ano seguinte.

* É o lado aleatório da vida, como a forma de uma nuvem no céu, como o destino daquela pena da primeira cena do filme Forrest Gump, com aquela música linda vindo pelo ar. Se você já esqueceu, é hora de rever.

* A história da teoria do caos e do efeito borboleta servem de prólogo para o novo filme do cineasta brasileiro Fernando Meirelles, 360, escolhido para ser o filme de abertura do Festival de Gramado deste ano.

* 360 tem sido um fracasso de público nos Estados Unidos, fato que me deixa com uma ponta de satisfação, porque é maravilhoso saber que um diretor brasileiro está fazendo história no cinema com filmes que passam ao largo dos super-heróis campeões de bilheteria.

* O título do filme, a propósito, não é citado nenhuma vez no roteiro. Não existe o número 360 em diálogo algum, mas é totalmente explicativo quando um ciclo se fecha, ou quando o efeito borboleta é tão completo que desencadeia uma série de acontecimentos até voltar à própria borboleta, depois de uma volta ao mundo – outra vez 360.

* Usando esta estratégia como pano de fundo, o filme trata sobre dilemas morais. Com que cara voltar pra casa depois de trair? Até quando aguentar um chefe que insiste em te destratar? Que caminho tomar diante de uma bifurcação?

* Como a prostituta do início do filme no ranking dos seus clientes, 360 é – sim! – um filme cinco estrelas, acima da média, com um elenco incrível que inclui estrelas do quilate de Anthony Hopkins, Rachel Weisz e Jude Law, além dos brasileiros Juliano Cazarré [o Adauto de Avenida Brasil] e Maria Flor. Veja bem: não é história do cinema brasileiro, mas brasileiros fazendo história no cinema.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

As Cidades de Chico


* O que eu vejo de mais interessante – e que me faz gostar ainda mais – na obra do Chico Buarque é a quantidade de enigmas que se escondem nas entrelinhas das suas canções. A riqueza da sua poesia é tão grande que levo anos para consumi-la.

* Digo isso porque acabo de desvendar a fonte de inspiração onde Chico foi beber para compor a canção Sonhos, Sonhos São – que faz parte do álbum As Cidades, lançado há quase quinze anos. Veja bem: quinze anos foi o tempo que eu precisei pra me dar conta que o título da música está no texto da peça A Vida É Sonho, do dramaturgo espanhol Calderón de la Barca.

Iracema e América

* Esse disco, aliás, é um tesouro que já esteve no balaio das Americanas por quaisquer dez reais – ainda há quem atire pérolas aos porcos. Iracema Voou, por exemplo, foi lançada nesse disco e eu me apaixonei pela música imediatamente, tanto que a incluí no repertório do musical Quadrilha.

* Só depois da milésima vez que cantei o verso “Iracema voou para a América” foi que percebi: Iracema é um anagrama da palavra América. Pra quem não lembra o que são anagramas, vou poupar o Google: embaralhe as letras e forme uma nova palavra.

Sonhos, Sonhos São

* A propósito da minha descoberta, vale um parêntese: tudo parece muito óbvio depois que alguém entrega a coisa mastigada, como a solução de uma equação de segundo grau. A graça, no entanto, é ficar ruminando até ver a luz se acender com a resposta certa.

* No caso  desta música a que me refiro – e é bem provável que pouquíssimos a tenham ouvido, já que nunca foi tema de novela nem tocou nas FMs, fica então restrita ao público que consome Chico na fonte – a solução da charada praticamente caiu no meu colo enquanto eu assistia o filme nacional Irma Vap [que também tirei do balaio das Americanas].

* Na primeira cena do filme, uma cena de funeral, Marieta Severo faz uma participação afetiva recitando alguns versos da peça A Vida É Sonho. “O que é a vida? Um frenesi.O que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção. E o maior bem é pequeno, porque toda a vida é um sonho. E sonhos, sonhos são”.

* Por ironia do destino, quem me deu a resposta foi Marieta, que durante uma vida foi esposa do compositor e inspirou a canção Beatriz, personagem da Divina Comédia, mas que lida em inglês tem a mesma sonoridade de “be actress”, ser atriz – ofício que Marieta cumpre como poucas neste país.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O Que Esperar Quando Você Está Esperando



* Tenho uma amiga que tem horror a grávida. É provável que um dia ela vá engravidar e pedir perdão pelos seus pecados, mas enquanto isso não acontece, se diverte contando as afetações das amigas que tiveram seus nove meses de embaraço – e pelo menos outros nove conversando sobre sintomas, fraldas, rachaduras no bico do peito e as peripécias do bebê, tudo em linguagem tatibitate, óbvio.

* Não pude escapar de lembrá-la enquanto assistia à comédia O Que Esperar Quando Você Está Esperando, a adaptação para o cinema de um livro para gestantes. Nem preciso dizer que este livro não faz parte do meu repertório, mas tenho uma teoria sobre essa transformação do livro em filme: acredito que alguém não grávido leu aquilo e enxergou ali uma comédia, criando categorias com as futuras mamães.

Categorias

* A grávida mais caricata é a personagem de Elizabeth Banks, dona de uma loja de artigos pra bebê que fez tratamento para engravidar. Quando realiza seu sonho dourado, sai dando palestras sobre o assunto.

* No outro lado da corda está a segunda mulher do seu sogro, que engravida no mesmo período e faz a linha grávida-exceção: vida normal durante toda a gestação [de gêmeos], só engorda na barriga e, na hora do parto, dá um espirro e lança à luz o primeiro.

* Tem também a menina que sai com o garoto pela primeira vez e sai deste encontro grávida, vindo a ter um aborto natural algumas semanas depois, e ainda a personagem de Jennifer Lopez, uma fotógrafa que está na fila da adoção e cujo marido, vivido por Rodrigo Santoro, não se sente preparado para ser pai.

Histórias Cruzadas

* O filme O Que Esperar Quando Você Está Esperando é daquele tipo que tem uma porção de celebridades no elenco e várias histórias paralelas que vão se entrecruzar lá na frente, na linha de Simplesmente Amor, Idas e Vindas do Amor e Noite de Ano Novo.

* O que normalmente acontece neste filmes com muitas estrelas pra pouco céu e que acaba faltando tempo para os personagens ganharem densidade, o que não aconteceu dessa vez – um ponto positivo do filme.

* Por outro lado, a grande chance de ter um final apoteótico é jogada fora na forma como as histórias se cruzam. Achei que faltou argumento pra amarrar um enredo no outro. Tudo muito leviano.

* De qualquer forma, o filme cumpre sua função de entretenimento. A emoção eu garanto para quem estiver grávida. Todos os outros irão rir um bocado.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Maçaneta numa Mão, Revólver na Outra


* A novela das onze terminou tensa na última sexta-feira, com o coronel Jesuíno segurando a maçaneta com uma mão e o revólver com a outra, na iminência de entrar no quarto onde sua esposa dona Sinhazinha se enroscava nos lençóis com doutor Osmundo, seu dentista amante.

* O desfecho da cena todo mundo já conhece – a menos que o autor da adaptação Walcyr Carrasco peça uma licença poética ao espírito de Jorge Amado e faça o corno atirar nos próprios chifres. Na obra do baiano, Jesuíno despacha a bela Sinhazinha e o sedutor Osmundo com dois tiros certeiros em cada um.

* Hoje saberemos, já que segunda-feira não é dia de Gabriela – e tenho certeza que isso deixa a tela menos quente, com o perdão do trocadilho, mas aumenta nossa expectativa, afinal, dizem que o melhor da festa é sempre esperar por ela.

Certo e Errado

* O romance de dona Sinhazinha com Osmundo fez uma nação inteira rever seus conceitos sobre o que é certo e o que é errado em um casamento. Quem acompanhou a novela e não torceu pela traição, que atire a primeira pedra e engrosse o coro provinciano de dona Quinquina, dona Florzinha e dona Dorotéia – Jesus, Maria, José!

* A própria Sinhazinha inventou penitências pra não ter mais que deitar com seu marido porque achava errado trair o seu amante – e verdadeiro amor.

Lapso Temporal

* A adaptação de Walcyr Carrasco tem algumas controvérsias de tempo com o texto original de Jorge Amado. No livro, dona Sinhazinha e doutor Osmundo são assassinados no mesmo dia em que Nacib perde sua velha cozinheira, ou seja, antes de Gabriela aparecer na história. Abram aspas:

* Essa história de amor – por curiosa coincidência, como diria dona Arminda – começou no mesmo dia claro, de sol primaveril em que o fazendeiro Jesuíno Mendonça matou, a tiros de revólver, dona Sinhazinha Guedes Mendonça, sua esposa, expoente da sociedade local, morena mais para gorda, muito dada às festas de igreja, e o dr Osmundo Pimentel, cirurgião-dentista chegado a Ilhéus há poucos meses, moço elegante, tirado a poeta.Pois, naquela manhã, antes da tragédia abalar a cidade, finalmente a velha Filomena cumprira sua antiga ameaça, abandonara a cozinha do árabe Nacib e patira, pelo trem das oito, para Água Preta, onde prosperava seu filho. E fechem as aspas.

Mais para Gorda

* Reparem também que no texto original Sinhazinha é descrita como “morena mais para gorda”, o que não tem nada a ver com a personagem de Maitê Proença – e que não é problema algum, mesmo porque este foi um dos grandes personagens da carreira de Maitê.

* A propósito, dá pra contar nos dedos quantas atrizes acima dos cinquenta [anos, não quilos] estão aptas às reveladoras cenas de amor com a mesma competência.

Descobertas


* Assim como eu acredito que a solução de um problema sempre cria um novo problema – a gente cobre um buraco e, para isso, deixa outro aberto – assim também creio que uma descoberta leva à outra. Digo isso porque acabou de acontecer.

* Em 2005, procurando me encontrar, prestei a prova da Escola de Arte Dramática da USP, concorrendo a uma vaga na escola de teatro mais cobiçada do país. Não fui selecionado, mas guardo algumas lembranças – e isso inclui o texto d’A Tempestade, a última peça escrita por Shakespeare e que fazia parte do conteúdo a ser estudado para a prova.

* Apesar de ser um texto relativamente curto, é um texto intenso e de difícil compreensão, até mesmo pela idade e por todas aquelas flexões verbais que já caíram em desuso, tanto no original inglês quanto na tradução portuguesa.

A Tempestade

* Na última semana, assistindo à cerimônia de abertura das Olimpíadas, eis que entra em cena Keneth Branagh, ator inglês especialista em Shakespeare, recitando alguns versos da peça A Tempestade. É claro que eu não reconheci de imediato, principalmente porque estava na língua original, mas o comentarista do evento deu o crédito e disse que o poema era uma ode à Inglaterra.

* Acendi minha vela ao oráculo Google mas não chegueinas ferramentas corretas pra encontrar a parte do texto recitada na cerimônia. Então vasculhei minhas prateleiras atrás daquele fino livro [minha edição é de bolso] pra reler e tentar decifrar qual era o pedaço escolhido para a abertura dos jogos olímpicos.

Ilha dos Sonhos

* Achei o texto: “Não tenhais medo. A ilha é cheia de ruídos, sons e doces brisas que dão prazer e não fazem mal. Tem vezes em que mil instrumentos metálicos ressoam em meus ouvidos. Outras vezes há vozes que, mesmo que tenha eu acordado de um longo e profundo sono, fazem-me dormir de novo. E então, em sonhos, as nuvens parecem abrir-se, exibindo riquezas que me vão cair no colo, de maneira que, quando acordo, caio no choro, porque meu desejo é voltar a sonhar”.

* Discordo do comentarista quando diz que é uma ode à Inglaterra. Apesar de caber no contexto histórico das olimpíadas, afinal Shakespeare não pode ser negligenciado quando se conta a história de Londres, a ilha em questão é uma ilha deserta fictícia.

* Durante minha pesquisa veio a história de que uma descoberta leva a outra. Sem querer, esbarrei em um filme sobre a peça, lançado pela Miramax, com ninguém menos que Helen Mirren – uma das grandes atrizes de teatro da Inglaterra e vencedora do Oscar por A Rainha – encabeçando o elenco.

Chocolates Godiva

* O filme A Tempestade não repercutiu nos cinemas das bandas de cá – ou estava no mundo da lua quando isso aconteceu, mas já entrou na minha lista de coisas pra pedir pra Claudia Bia procurar, ela que acha tudo o que eu preciso.

* E por falar na Bia, esta outra descoberta levou a mais uma descoberta. Há alguns anos, nas minhas andanças por aí, eu e minha escudeira Izabela Sandrini fomos trabalhar numa festa em Londres oferecida por um ator chamado Tom Conti servindo morangos banhados no chocolate Godiva.

* Eu não o conhecia de filme nenhum, mas quando contei o episódio pra Claudia ela me deu a filmografia completa – o que me deixou feliz, porque agora tinha trabalhado na festa de um ator nem tão desconhecido assim. Por ironia, acabo de ler o nome dele no elenco deste filme. Faz o papel do Conselheiro Gonzalo.