
Expectativa é uma coisa frustrante, mas não consegui fazer diferente. Até porque eu achei o livro fodástico e o trailer do filme me colocou água na boca. Resultado: gostei do filme Budapeste, mas gostei sem querer ter uma cópia em casa pra rever milhares de vezes, como faço com outros filmes.
Aí começo a procurar uma explicação pra minha decepção e uma ideia me vem à cabeça: Chico Buarque tem a posse e a propriedade da língua portuguesa. E quando eu me emociono lendo a sua obra, essa emoção é fruto desse manuseio fluente das palavras, das combinações inusitadas, das nuances que a palavra escrita tem e que a imagem nem sempre consegue capturar.
Se uma imagem vale mais que mil palavras, Chico dá conta de achar a palavra que nem com mil imagens.
Pra quem não leu o livro, Budapeste conta a história de um ghost writer, ou seja, um sujeito que escreve para os outros e vende o texto sem assinatura, para que o comprador se aproprie da obra como se fosse de sua autoria.
De repente, esse escritor acaba em Budapeste graças a um pouso imprevisto, quando voava de Istambul a Frankfurt, e se depara com o idioma local, o húngaro, única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita.
A primeira frase do livro também aparece no filme na voz do protagonista-narrador Leonardo Medeiros: “devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira”. No entanto, essa aventura acaba se tornando uma vida paralela à que está acostumado e passa a se dividir entre duas cidades, dois idiomas, duas mulheres, duas famílias.
Quando eu digo que o filme não me fisgou completamente, isso não quer dizer que ele não tenha me emocionado. Tem algumas cenas que funcionam muito bem, em especial a cena diante da estátua do Escritor Desconhecido, sem traços na face.
Outra cena comovente é a cena em que ele está numa cabine telefônica em Budapeste telefonando para o Rio e a ligação está com eco. Ele deixa um recado na secretária eletrônica e fica ouvindo aquele reflexo sonoro, fruto do defeito da chamada, mas com saudade da língua-mãe a ponto de ficar saboreando algumas palavras soltas só pra poder ouvi-las de volta: Corcovado, Guanabara, saudade, marimbondo, adstringência.
É nesses momentos mais fiéis ao texto do Chico que o filme toca. Quero até transcrever um trecho que sublinhei e que aparece no filme, depois de um momento de verdades dolorosas: "...julguei que assim conseguiria tirar da cabeça as palavras que dissera à Vanda. Conseguia, mais ou menos, sempre sabendo que elas estavam por ali, que nem uma música de fundo, que nem um zumbido constante atrás do meu pensamento. Para esquecer aquelas palavras, talvez fosse necessário esquecer a própria língua em que foram ditas, como nos mudamos de casa que nos lembra um morto. Talvez fosse possível substituir na cabeça uma língua por outra, paulatinamente, descartando uma palavra a cada palavra adquirida. Durante algum tempo minha cabeça seria assim como uma casa em obras, com palavras novas subindo por um ouvido e o entulho descendo por outro. Sem dúvida me daria pena ver se desperdiçarem tantas palavras belas, azulejos, por culpa de umas poucas peças que eu usara de forma desastrada".
Mesmo assim, com grandes acertos, achei o filme longo e ao fim não tive o desejo de recomeçar. Estava cansado. E olha que o final é ótimo, ainda que no livro ele funcione melhor.