* Depois de cumprir a longa jornada do musical Trinta Moedas, o signatário dessas linhas – dado a dirigir musicais e a falar de si na terceira pessoa – foi checar o que está acontecendo nos palcos da capital paulistana e compartilha com os leitores para que, de passagem por Sampa, possam se programar. A via crucis inlcuiu três musicais
importados, mas com elenco 100% tupiniquim: Priscilla – A Rainha do Deserto,
que estreou em Sydnei e depois de passar por Londres e NY desembarcou no Brasil;
Fame – O Musical, que também já recebeu montagens em diversos países e línguas
e, por fim, A Família Addams que está em cartaz no teatro Abril, onde giram as
cifras mais polpudas da indústria do entretenimento.
Priscilla – A Rainha
do Deserto
* O musical Priscilla é baseado no filme
australiano homônimo que se transformou num blockbuster contando a aventura de
três drag queens que cruzam o deserto da Austrália a bordo de um ônibus
[carinhosamente batizado de Priscilla].
* Priscilla ganha o público por dois motivos
principais: primeiro pelo visual, já que conta com mais de 500 figurinos, 200
perucas e 23 toneladas de cenário, inclusive um ônibus com 30 mil pontos de LED
– e tudo muito colorido, tudo muito drag queen.
* O segundo motivo é a trilha sonora, recheada
de grandes hinos da música disco. E pra melhorar, as músicas servem mais para
ilustrar do que pra desenvolver a história, de forma que a maioria das cancões
ficou com a letra original – em inglês – sem comprometer a história.
* A história, aliás, é repleta de humor e boas
piadas. Leve, com apenas dois momentos mais dramáticos: o encontro com a
rejeição diante do ônibus pichado e o encontro com o filho na última parte da
peça.
* O repertório foi um pouco alterado na
montagem nacional. Não entendi o motivo. A canção I’ve Never Been to Me, que
faz parte da trilha do filme e do musical, ficou de fora. Quando pesquisei
sobre a música, descobri que era de uma cantora californiana chamada Charlene,
dessas que faz um único sucesso na vida e desaparece para a eternidade.
* Outra que ficou de fora foi Both Sides Now,
da canadense Joni Mitchell, mas lindamente substituída por True Colors, que
muita gente dá o crédito pra Cindy Lauper, mas que é devido ao Phil Collins.
Fame – O Musical
* Eu tomei conhecimento da montagem nacional do
musical Fame através de um vídeo que virou um meme na internet, onde a atriz
Paloma Bernardi deixava claro que não tinha o menor jeito pra música.
* Quando assisti essa peça em Londres, há mais
de dez anos, fiquei super comovido. As músicas eram lindas, o elenco muito bem
escalado e a amarração bem feita. Resolvi que queria ver a versão brasileira de
qualquer jeito, nem que fosse só pra constatar que era tão ruim quanto o vídeo
da Paloma.
* É nessas horas de expectativa zero que
estamos com o coração aberto para as melhores surpresas da vida. Adorei a
montagem, assim como as versões das músicas e tive duas ótimas surpresas no
elenco. Giulia Nadruz, que interpreta Serena, e Murilo Armacollo, no papel de
Joe Vegas.
* Enquanto assistia a peça, achei o rosto dele
familiar. Depois descobri que ele havia feito o filho do presidente na
minissérie O Brado Retumbante, que aliás ele fez muito bem, mass ainda achei
que o rapaz foi feito sob medida para o teatro musical.
A Família Addams
* Vão dizer que fui uma criança que não via
Sessão da Tarde diante do que direi, mas prefiro ser honesto sobre o assunto:
eu nunca assisti o filme d’A Família Addams. Passei minha vida ouvindo
referências ao clã, especialmente à Morticia, sem saber do que se tratava.
* Talvez por isso, por não ter visto o filme,
eu não me interessei por esta peça quando ela estreou há dois anos na Broadway.
Nem Nathan Lane no papel de Gomez, nem Brooke Shields no papel de Morticia me
carregaram para o teatro – a gente sempre tem que fazer escolhas quando há
muito o que ver e poucas noites para tanto.
* No entanto, quando os luminosos do teatro
Abril se acenderam com A Família Addams, não pude mais resistir. Até porque o
teatro Abril é a meca do teatro musical no Brasil. Melhor do que estar sentado
na sua plateia diante de suas produções milionárias, só se for estar sobre o
palco.
* A química entre Marisa Orth e Daniel
Boaventura está como uma enzima para o seu substrato. Os dois estão completos,
plenos, cantando, dançando e fazendo graça. Ele, um veterano dos musicais,
continua afetado na dicção desde o professor Higgins, mas sem comprometer a
qualidade do seu personagem. Ela, com um decote que vai até a Patagônia e todas
as formas no lugar, também caiu bem no papel.
* O número do tango é páreo para o Tango
Roxanne, de Moulin Rouge, ou o Tango Maureen, de Rent. E a estética da peça é
irretocável. Figurinos caprichadíssimos e efeitos visuais incríveis, como na
cena em que o tio Fester se enamora com a lua – um dos highlights.